Ensaio - Ronald Augusto

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Bansky

Frames da poesia contemporânea

1

Não obstante ser um bom livro falta-lhe coesão. Um conjunto de poemas esforçados. O autor tenta forjar uma coesão, mas da seguinte maneira: todos os poemas se compõem, a rigor, de duas estrofes, uma cuja extensão é variável (pode ter de 10 a 20 versos, mais ou menos), e outra “estrofe” que constitui um verso derradeiro isolado. É claro que isso não constitui um fio condutor, sequer uma “linha” condutora. Parece mais um formalismo sem função. Referências intertextuais. Diálogo culto com criadores de outras artes. Normalidade irritante.

2

O autor se vale do verso metrificado com senso contemporâneo, isto é, utiliza-o numa perspectiva irônica, às vezes sarcástica. No entanto, a opção pela tonalidade farsesca com relação ao modelo consagrado do verso medido, em certas ocasiões, acaba por se esgotar em si mesma. Mas mesmo aí, o autor se mostra, com freqüência, muito esperto. A leitura ou a releitura do recurso ao metrônomo não está condenada, desde um ponto de vista atual, a ser feita sempre em registro kitsch. O riso não precisa dizer sempre a última palavra. Por exemplo, o verso do poema da pág. 9: “não sou Ledo nem Ivo, mas me engano”.

3

Uma paisagem sem perspectiva. Opacidade de um discurso que nos remete a uma “passagem sem trânsito”. Enunciação no vazio “enquanto o quando não vem”. O poeta nos ministra a imagem de que os significados se esvaem por detrás de “faces esfumadas”. A linguagem como que se recusa a plasmar-se. É como se o poeta se pronunciasse, mas a contragosto. A “linguagem poética” não consegue dar conta de toda a “niilina” de que está embebida a visão do poeta. Não se trata de verso nem de prosa. Ou melhor, parece uma prosa cheia de fraturas. “O fosso pelo lado avesso”.

4

Um bom livro. Ele tece uma teia de coesão. As peças se encaixam à maneira de mosaico, isto é, uma peça se resolve ou se dissolve no som e no sentido da outra. Narrativa de fragmentos. Excertos de falas, coros de tragédias. O tom, necessariamente, hierático, solene, atenua-se pela rarefação da linguagem bastante essencial, pela imagética cortante. Pontos luminosos de uma fabulação-falação remota. Mas a certa altura, a tensão da linguagem cai, os efeitos poéticos não inquietam mais. Sobram pormenores. Uma certa linearidade no uso da metáfora. Poemas da pág. 58 e da pág. 127.

5

Os poemas coincidem com o título do volume. Ressonâncias da poesia de e. e. cummings surgem aqui e ali. Aliás, isso fica a olho nu na estética do corte e recorte abruptos do verso, que o autor experimenta com algum êxito. Cacos (que jamais se unirão) de um provável espelho textual: “estilhaços cubistas”; uma cena urbana algo difusa; e, por fim, alguns vocábulos que o autor fratura intencionalmente interrompendo, retardando a música do verso, assim: “...a seguir as gen-/ tes...” ; coragem de cor-/ ações...” ; “...assombro no radia-/ dor...” , etc. Soluções um tanto virtuosísticas, dentro de uma recolha de bons poemas.

Ronald Augusto nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004) e No Assoalho Duro (2007). Despacha no blog poesia-pau.