Releitura - Joaquim Cardozo

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010
O pernambucano Joaquim Cardozo (1897-1978) tinha a capacidade de promover a conciliação de pólos aparentemente contrários: era poeta e calculista de concreto. Como engenheiro, especialista em cálculo estrutural, Cardozo, a convite de Oscar Niemeyer, tornou-se responsável por alguns dos prédios de maior destaque em Brasília, entre eles a Catedral. Como escritor, publicou livros de poesia e de teatro. Os textos mostrados aqui foram extraídos do volume Poesias Completas (Civilização Brasileira, 1979). Os poemas "Recordações de Tramataia" e "Chuva de Caju" pertencem ao seu primeiro livro Poemas, publicado em 1947.

Ian Quirante - Untitled 2
Mixed Media, 11x8 in. (27.94x20.32), 2004

Recordações de Tramataia (1934)

I

Eu vi nascer as luas fictícias
Que fazem surgir no espaço a curva das marés
Garças brancas voavam sobre os altos mangues
De Tramataia.
Bandos de jandaias passavam sobre os coqueiros doidos
De Tramataia.
E havia um desejo de gente na casa de farinha e nos mocambos vazios
De Tramataia.
Todavia! Todavia!
Eu gostava de olhar as nuvens grandes, brancas e sólidas,
Eu tinha o encanto esportivo de nadar e de dormir.

II

Se eu morresse agora,
Se eu morresse precisamente
Neste momento,
Duas boas lembranças levaria:
A visão do mar do alto da Misericórdia de Olinda ao nascer do verão.
E a saudade de Josefa,
A pequena namorada do meu amigo de Tramataia.

Chuva de Caju (1936)

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Tereza? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos.
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
E em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Tereza ou Maria.

(in Poesias Completas, Civilização Brasileira, 2a. ed., Rio, 1979)

fonte:
poesia.net - Carlos Machado, 2003.