Em associação com
Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010
Dois poetas haitianos do século XX, período em que intelectuais negros haitianos começaram a questionar sua relação com a Europa e a afirmarem suas raízes africanas. Léon Laleau (1892-1979) foi poeta, romancista, dramaturgo, ensaísta, jornalista, diplomata e político haitiano. Seu primeiro romance, "Comment mademoiselle a passé sa mi-carême". Seus primeiros poemas aparecem no Le Matin e no l'Humanité. Em 1917 Léon Laleau foi premiado por ter introduzido o verso livre na poesia do Haiti. "Traição" é um dos seus poemas mais famosos. Jacques Roumain (1907-1944) foi um venerado escritor, político haitiano, grande defensor do comunismo no Haiti. Considerado uma das mais prominentes vozes da literatura haitiana, é pouco conhecido na língua inglesa, mas tem significante penetração na Europa, no Caribe e na América Latina. Embora tenha morrido muito jovem, Roumain explorou bem os temas da vida e da cultura haitiana.
Traição - Léon Laleau
Este coração endurecido, cuja batida
não sintoniza minha língua, meus costumes
Sentimentos deixados para trás, a ferida
deste aperto, dívidas de mim, negrumes
da Europa, pudera você ter na lembrança
esse aperto, pudera sentir desespero tal
Como acalmar, com palavras da França,
Este coração que veio do Senegal?
Trahison
Ce coeur obsédant, qui ne correspond
Pas à mon langage ou à mes costumes
Et sur lequel mordent, comme un crampon,
Des sentiments d’emprunt et des coutumes
D’Europe, sentez-vous cette souffrance
Et ce désespoir à nul autre égal
D’apprivoiser, avec des mots de France,
Ce coeur qui m’est venu du Sénégal?
(Trecho de) Novo sermão negro - Jacques Roumain
Eles cospem na tua cara preta
Senhor, amigo, camarada,
Tú, que vira a cara para a prostituta
Como uma cortina de juncos, os longos cabelos numa fonte de lágrimas
Eles fizeram,
os ricos, os hipócritas, os donos da terra, os banqueiros,
Fizeram seu deus sangrento a partir do sangue dos homens
Ó Judas traidor
zombeteiro e sarcástico:
O Cristo crucificado entre dois ladrões como o estopim do mundo
Acendeu a revolta de escravos
Mas hoje o Cristo habita a casa dos ladrões
De braços abertos em suas catedrais, sua carne exposta aos abutres
Enquanto nos porões dos mosteiros, os sacerdotes contam suas moedas
E sinos dobram nos campanários, anunciando a morte sobre a multidão faminta
Nós não os perdoaremos, porque eles sabem o que fizeram
Lincharam João, que organizou a União
Caçaram-no como um lobo magro, com cães pelos bosques
Penduraram-no, aos risos, no velho tronco de plátano
Não, irmãos, camaradas
Não oraremos mais
Ergue-se nossa rebelião como o grito dos pássaros sobre as águas agitadas dos pântanos fedorentos
Não cantaremos mais o desespero e a tristeza espiritual
Sai outra canção de nossas gargantas
Fincamos nossas bandeiras vermelhas
Manchadas com o nosso próprio sangue
E é sob esta bandeira que caminharemos
Sob esta bandeira caminharemos
Ergam-se, condenados da terra
Ergam-se, prisioneiros da fome.
Nouveau sermon nègre (extrait)
Ils ont craché sur Ta Face noire
Seigneur, notre ami, notre camarade
Toi qui écartas du visage de la prostituée
Comme un rideau de roseaux ses longs cheveux sur la source de ses larmes
Ils ont fait
les riches les pharisiens les propriétaires fonciers les banquiers
Ils ont fait de l’homme saignant le dieu sanglant
Oh Judas ricane
Oh Judas ricane:
Christ entre deux voleurs comme une flamme déchirée au sommet du monde
Allumait la révolte des esclaves
Mais Christ aujourd’hui est dans la maison des voleurs
Et ses bras déploient dans les cathédrales l’ombre étendue du vautour
Et dans les caves des monastères le prêtre compte les interêts des trente deniers
Et les clochers des églises crachent la mort sur les multitudes affamées
Nous ne leur pardonnerons pas, car ils savent ce qu’ils font
Ils ont lynché John qui organisait le syndicat
Ils l’ont chassé comme un loup hagard avec des chiens à travers bois
Ils l’ont pendu en riant au tronc du vieux sycomore
Non, frères, camarades
Nous ne prierons plus
Notre révolte s’élève comme le cri de l’oiseau de tempête au-dessus du clapotement pourri des marécages
Nous ne chanterons plus les tristes spirituals désespérés
Un autre chant jaillit de nos gorges
Nous déployons nos rouges drapeaux
Tachés du sang de nos justes
Sous ce signe nous marcherons
Sous ce signe nous marchons
Debout les damnés de la terre
Debout les forçats de la faim.
Eduardo Miranda é músico, escritor, poeta, e tradutor, foi guitarrista e fundador do grupo WEJAH , gravou Renascença (Faunus Discus, 1988) e Senda (PRW, 1996), publicou o livro de poemas Quase (Casa Pyndahýba, 1998) e as coletâneas Amigos (Casa Pyndahýba, 1994) e Contra Lamúria (Casa Pyndahýba, 1995). Atualmente toca numa banda de Country/Blues em Dublin, dirige o projeto musical The Virtual Em3 e é parte do Stillwater Project. Editor-mor da TUDA, dá expediente em alguns blogs por aí, e nas horas vagas é Consultor de Tecnologia da Informação na IBM em Dublin.