Editorial

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010


Carnaval - Maria Lucia Pacheco, 2009
Óleo sobre tela, 0.80x0.80cm

Fevereiro TUDA - pé no chão! Após a bonança, a tempestade. Depois das comemorações do primeiro ano de TUDA, voltamos à realidade - o ano começa antes mesmo do carnaval!

E como nem TUDA é alegria, começamos com um apelo: a colaboração dos colaboradores, que muito ajudariam o solitário e árduo trabalho da editoração de TUDA se observarem poucas regras no envio dos trabalhos. Colaborador, confira aqui o que muda. Também peço para que os prazos para o envio dos trabalhos sejam respeitados... confiram no Calendário Permanente Tudiano as datas limites.

Muita gente opinando, dando idéias, e falando de TUDA. Estamos planejando uma seção de cartas... aguardem!

Este mês TUDA traz as Palavras Quebradas de Arnaldo Xavier, Souzalopes, Celso de Alencar, Santiago de Novais, Sandra Ciccone Ginez e Dorival Fontana. As Palavras Contínuas de Roniwalter Jatobá, José Geraldo de Barros Martins, Carlos Barbosa, José Miranda Filho e Suzana Cano. Nas Palavras Alheias, os haitianos Léon Laleau e Jacques Roumain. Eduardo Miranda está nas Foreign Words. O pernambucano Joaquim Cardozo em Palavras Já Ditas. As Palavras Mostradas com José Geraldo de Barros Martins, a georgiana Mari Khnkoyan, o esloveno Evgen Bavcar. E por fim, as Palavras Ensaiadas de Ronald Augusto.

É só degustar, deglutir, triturar... TUDA à vontade... pode até lamber os dedos que TUDA é limpinha; limpinha mas contagia... e como contagia! Por isso, aprecie TUDA SEM NENHUMA MODERAÇÃO. Ela só é contra a INDIFERENÇA!!!

Na luta, companheiros... e TUDA, mas TUDA de bom MESMO!

Dívida Interna

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Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo de Barros Martins

Digitação
Teresa Thinen & Eduardo Miranda

Revisão
Túlia Lopes & Eduardo Miranda

Colaboradores
Arnaldo Xavier (in memorian), Carlos Barbosa, Celso de Alencar, Dorival Fontana, Eduardo Miranda, Evgen Bavcar, Jacques Roumain (in memorian), Joaquim Cardozo (in memorian), José Geraldo de Barros Martins, José Miranda Filho, Léon Laleau, Mari Khnkoyan, Ronald Augusto, Roniwalter Jatobá, Sandra Ciccone Ginez, Santiago de Novais, Souzalopes, Suzana Cano.

E-mail
tuda.papel.eletronico@googlemail.com

Poesia - Arnaldo Xavier

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Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Prince Twins Seven-Seven
Untitled - mixed media on wood, 24 x 48 inches

1

Se pedaço cada
Compreensão curva
escorpiã traça
(Com devido
louvor
a criatura que por
assim ser
assim tão
semelhante a fez
sem graça sem
puro ofício)
suicida minúscula labareda

Encruzilhada reza salamandra
Circulação foi pássaro
Profunda

A pedra

2

E Assim trapézio
Pássara folha dançando atravessa
trevas
e luzes

Sobre coincidente rastro
Semente nasce conclusão
A parte o destino fruto

Existir
Simplesmente tão ser rascunho
de ter nascido

A queda

3

Se casa
Sem cabeça
Concebe sombra
Como preço escrito nas areias
Tempestade desenha nas faces

A perda

[ in Entrada de Luz, inédito ]

Poesia – Souzalopes

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Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Corinna Spencer


§
caralho minha mãe na terra quando
eu nasci ela gemeu e deitou sangue
pela natura minha mãe arregaçada
num planeta pardo me parindo rindo
a porra do perdão os filhos deste solo
soluçam tanta merda minha mãe na terra


§
ouviram minha mãe do outro lado
sua praga me parindo quando rindo
um doutor metendo a mão já me tirava
do buraco do embigo e num só brado
minha avó gerava a reza salve salve
a puta que pariu ó silva e souza
perto minha mãe do teu cu preto
nasci teu filho entre pentelho e peido


§
abre as pernas minha mãe a liberdade
liberdade não tem asa não avua
o azar e sua uva ó pátria amarga
ó vulva divulgada quando morde
ou dorme no teu seio a clava forte
verás foda falida e teu afeto já
era minha mãe a liberdade

Poesia - Celso de Alencar

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Ano II Número 14 - Fevereiro 2010



Vó Anita

Minha avó Anita
tinha 89 anos.
Não lhe agradava
cadeira de rodas.
Estas, pintadas com
faixas brancas, por mim,
como as dos pneus
dos antigos automóveis.
Ontem o delegado
nos devolveu o punhal
da nossa coleção.
Eram dela
as impressões digitais.
Mais tarde
eu vou lavar a cadeira.

in Poemas Perversos

Celso de Alencar é poeta...

Poesia - Santiago de Novais

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Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Ilustração enviada pelo autor.

perguntações:
miserere nobis
pra que falamos tanto se um hai kai
tudo explica?

miserere nobis
o sentido é a vida começa num ovo e termina
com água fervendo para tirar as penas?

miserere nobis
porque preferem o tango e o tekno
ao pagode se todos vão ficar surdos um dia?

miserere nobis
porque existe orientação sexual
se todos seremos devorados?

miserere nobis
se morro quero ser enterrado
no mesmo dia, se vivo por aí por aí quero viver

resposta correta:
c( dentes bonitos não significa que ele seja seu amigo.
a( chocolates pequena, há maior metafísica no mundo?
b( ai de ti Haiti.

Santiago de Novais, nasceu em Minas, Campos Gerais, se mudou para São Paulo em 86 onde misturou leite, vinho e pólvora e vive como se escrevesse haikais explosivos e encontrasse kafkas nas esquinas da Xavier de Toledo. O que tinha pra ler, leu. Dançou o que tem pra dançar. Professor de idiomas, tradutor, educador e proxeneta de palavras. Elas não reclamam nada. Comigo dão tudo de si.

Poesia - Sandra Ciccone Ginez

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Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Toulouse-Lautrec - The Hangover - (Suzanne Valadon) - 1888

Chewing Gun and News

ameaça de um vendaval de guarda-sóis
a hora desperdiçada
marcas de biquíni
masco goma com
as notícias mundiais

nada de errado
exceto as
grades invisíveis
do que não se pode mudar

construirei um castelo de
mudanças
rampas de novidades
galerias de recomeço

Sandra Ciccone Ginez é poeta, contista e jornalista. Colabora com os sites: Cronópios (conto), Sibila, Zunái, entre outras. Publicou o livro de poesia “Pequenas Revoluções”, pela editora Terceira Margem (2009). Bloga no www.mardefrente.blogspot.com

Poesia - Dorival Fontana

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Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Heba Hafez,
Yasser, Oil on Wood, 27.5" x 20", 2008


OVER

Meia
noite
Madrugada
Emergência
Soro sirene
Sangue
Convulsão comoção
No pronto-socorro
A vítima desfalece
O médico atende
O padre benze
A família lamenta
A polícia investiga
A enfermeira desdenha
O diabo carrega o indigente
Tão jovem
Já foi preso?
Já foi tarde
Usuário viciado
Químico dependente
O corpo-seco
Derrama-se no IML
Todos comentam
Foi pedra ou pó?
Pelo inchaço é cachaça
Na veia fatal
Atestado óbito
Comprovado pela junta
Essa não era da boa
O plantão encerra
O assunto se enterra
Foi só uma noite
Foi só outra festa
Foi só mais uma

DOSE

Crônica - Roniwalter Jatobá

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010


Casa Paterna

Tenho em casa uma fotografia amarelada pelo tempo. É o mais antigo registro da secular família do meu avô paterno. No verso, numa caligrafia bonita, o “velho” anotou uma dedicatória a um parente distante. No final, registra o ano da pose fotográfica: 1937.

Ali está a família reunida na véspera de uma festa em Bananeiras, sertão baiano. Reconheço em sérios semblantes algumas tias já adultas e dois tios, ainda crianças. Um quadro incompleto. A maioria estava longe, muitos haviam sumido em busca de seus destinos pelo mundo.

Sinto a falta, entre as mulheres, de tia Nanã, que há pouco realizara seu casamento. O pai, o mais velho dos homens, já vivia pelas minas do Mimoso, à procura de cristal de rocha e pedras preciosas. O tio Preto, assim apelidado devido à coloração mais escura de sua pele, também seguira as mesmas trilhas do garimpo, mas contam que infernizava a todos pelo vício nos jogos de azar. Na mesma época, o tio Olegário já havia partido para o Rio de Janeiro, fascinado pelo futuro na então Capital Federal, e para onde seguiria, depois, também o tio Deco. A velha foto mostra que, pouco a pouco, a família ia se fragmentando, com cada filho criando asas após a fase adulta.

Leio outro dia que um recente relatório do Eurostat, o instituto de estatísticas da União Européia, revelou o que vem mudando em relação à família. Os jovens europeus relutam em deixar o colo da “mamma”. Segundo um escritor italiano, Piero Citati, eles pertencem a uma geração de eternos adolescentes, que não têm pressa nem interesse em crescer e, ao contrário de seus avós, não querem se tornar adultos tão cedo. Na verdade, retardam o mais que podem o abandono da casa paterna e o casamento.

Os italianos são campeões no chamado mammismo. Em 1987, 60% dos rapazes e moças continuavam a viver – na maioria dos casos, economicamente independentes – na casa dos pais. Oito anos depois, em 1995, aquela porcentagem havia crescido bastante: 71% dos jovens italianos passaram a considerar desnecessário e pouco interessante viver por conta própria, ou seja, longe da saia da mãe.

Também no Brasil, a casa de “painho” e “mainha” também virou refúgio seguro. Antes, sair de casa aos vinte anos era obrigação. Hoje, seja pela acomodação da juventude ou pelo funil cada vez mais estreito no mercado de trabalho, mudou a situação.

– Quem não gosta de chegar em casa e encontrar a comida pronta? – me disse recentemente uma paulistana no restaurante Consulado Mineiro.

Sábia justificativa. Outra amiga tentou sair de casa e, em pouco tempo, se arrependeu.

– Fui morar com um bando de amigas e me sentia muito invadida – me revelou. – As pessoas usavam minhas roupas, comiam aquilo que eu comprava. Na hora de pagar o aluguel, era uma loucura, nem todas tinham dinheiro.

A gota d’água para voltar para a casa dos pais foi o furto de um objeto de estimação.

– É preciso saber a hora certa de sair de casa. Se for para cair fora e não ficar legal, de que adianta?

A primeira vez que deixei a casa paterna tinha 16 anos. Por um longo ano, morei no Rio de Janeiro. Desempregado a maior parte do tempo, foi difícil a distância do lar. No retorno, minha mãe chorou ao me ver magro com cara de faminto. Realmente abatido, por dois meses caminhei solitário pelas margens do rio Aipim, tentando resgatar a tranqüilidade perdida.

A partir daí, chegou o medo. Embora sentisse necessidade de romper os laços com a casa paterna, vinha o receio de encontrar os mesmos obstáculos da primeira viagem. Sofria. Quando imaginava a visão da cidade grande, sentia calafrios e vinha o temor de desistir nos primeiros dias.

Em 1970, depois de dar baixa do Exército em Salvador, finalmente decido viajar para São Paulo. No ônibus, nos caminhos de Minas e Bahia, sentia temores e tremores. Já me via perdido no mundo. Impelido pela velocidade do veículo que percorria a Rio - Bahia, porém, reuni força, fantasias e sonhei.

Muitos anos depois, sou capaz de concordar com os jovens de hoje. Já superei a casa dos 60 anos, mas ainda mantenho a intuição de um adolescente que adora raspar os fragmentos do doce de leite preparado pela mãe numa panela de cobre, no calor fumegante do fogão a lenha.

Roniwalter Jatobá nasceu em Campanário, MG, em 1949. Aos 10 anos, migrou com a família para Campo Formoso, sertão da Bahia. Desde 1970 vive em São Paulo. Como jornalista, trabalhou na Editora Abril e Editora Globo. Foi redator dos fascículos Nosso Século e Retrato do Brasil e colaborou em Movimento, Escrita e Versus. Atuou, também, como cronista do Diário Popular. Publicou, entre outros, os livros Sabor de química (1977), Crônicas da vida operária (1978), Filhos do medo (1980), Viagem à montanha azul (1982), O pavão misterioso e outras memórias (1999), Paragens (2004), Trabalhadores do Brasil: histórias do povo brasileiro (1998, organizador) e Viagem ao outro lado do mundo (2009). Pela editora Nova Alexandria, publicou Rios sedentos (2006), voltado para o público infanto-juvenil, Contos Antológicos (2009) e, para a coleção “Jovens sem fronteiras”, O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005), O jovem Fidel Castro (2008) e O jovem Luiz Gonzaga (2009).

Conto - José Geraldo de Barros Martins

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Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Ilustração: José Geraldo de Barros Martins

A verdadeira estória de Josué Jamil

Na primeira vez que Josué Jamil viu um retrato de James Joyce, percebeu que os comentários eram reais... quais comentários??? os comentários que asseguravam que ele era um sósia perfeito do escritor irlandês... isto fez com ele, um reles escriturário, se interessasse pela obra de um renomado escritor e também passasse a se vestir como tal... gostou de tudo que leu (até de Finnegans Wake., por incrível que pareça...), mas para ele a melhor obra de Joyce era “Ulisses”, romance que se passa em apenas um dia no qual há um paralelo entre a estória narrada (no caso o cotidiano de um corretor de anúncios chamado Leopold Bloom) e a epopéia de Homero, significando que um simples dia no nosso cotidiano pode ser tão intenso ou significativo quanto uma epopéia...

Mas por mais que Josué Jamil tivesse gostado de “Ulisses” ele achava que estava faltando algo... o que??? ele não sabia o que era, mas sabia que estava faltando alguma coisa e achou que se passasse a ler os outros grandes autores ele iria descobrir... então ele começou a ler... a ler vários autores.... quais autores ??? Machado, Melville, Goethe, Homero, Shakespeare, Dante, Cervantes, Blake, Borges, Baudelaire, Poe, Pessoa, Eliot, e vários outros, mas ao ler Camões é que Josué Jamil teve o estalo... qual estalo ??? simplesmente ele percebeu que “Os Lusíadas” era a primeira epopéia moderna, e que o grande erro de “Ulisses” era o fato de Joyce ter não usado a obra de Camões como base para seu livro revolucionário, mas utilizado “A Odisséia”, ou seja, utilizado uma epopéia antiga como fundo para uma estória que ocorre em 16/06/1904... o melhor, seria se Joyce tivesse se baseado em uma epopéia moderna, no caso “Os Lusíadas”...

“- Já sei !!!” pensou... “Vou escrever um livro baseado na epopéia de Camões!!!”

Da mesma forma que James Joyce entitulou seu livro com o nome do herói (“Ulisses)” de uma epopéia (“Odisséia”), Josué Jamil pensou em entitular seu livro com o nome do herói de “Os Lusíadas”, no caso: “Vasco da Gama”...

Mas havia um problema...qual problema??? Josué Jamil era são-paulino doente, (se vestia sempre com uma gravata no padrão da camisa do clube e usava exageradamente um anel com o distintivo do clube), sendo que não tinha boas recordações da final do campeonato brasileiro de 1989 (em que o tricolor paulista perdeu para a equipe cruz-maltina), de modo que a nova obra, a que iria revolucionar definitivamente a literatura, jamais poderia se chamar “Vasco da Gama”... “- Depois eu coloco o título.” pensou o nosso protagonista, na verdade ele ainda não sabia nem sobre o que escrever... pensou, pensou e pensou... e descobriu... decobriu o que??? descobriu que deveria escrever um romance autobiográfico e que o evento mais significativo para ele havia sido a final do mundial interclubes de 1992 ... logo o romance deveria se passar somente em um dia, mais precisamente na data do jogo entre São Paulo X Barcelona em 12/12/1992... um pouco de tempo depois o nosso protagonista decobriu algumas outras analogias... quais analogias??? analogias complexas demais para serem explicadas detalhadamente neste breve relato, mas analogias entre “Os Lusíadas” e o jogo de futebol retro-mencionado...

O Lusíadas estão dividos em quatro partes: proposição (Canto I: 1-3), invocação (Canto I: 4-5), dedicatória (Canto I: 6-18) e narração (Canto I: 19 até o final :144), sendo que a entrada dos times em campo seria uma analogia da “proposição”, os times cantando o hino seriam uma analogia da “invocação”, a partida seria uma analogia da “narrativa” e os vencedores recebendo os troféus seriam uma analogia da “dedicatória”... Se analisarmos atentamente a partida veremos como ela se assemelha a narrativa... o gol do búlgaro Stoitchkov aos 12 minutos seria uma analogia da emboscada que os mouros moçambicanos armaram contra os portugueses no final do Canto I, o gol de empate de Raí após a bela jogada de Muller aso aos 27 minutos do primeiro tempo seria uma analogia da chegada de Vasco da Gama a Calicute no início do Canto VII, e o gol da vitória na perfeita cobrança de Raí seria uma analogia do episódio no Canto X em que Vasco da Gama contempla a Máquina do Mundo...

Logo o romance de Josué Jamil estava estruturado...mas como é que estava estruturado??? seria uma narrativa da primeira vez que um jovem de Jundiaí iria a região da 25 da de Março no centro de São Paulo, lá ele compraria incensos e outros artigos indianos para a sua namorada, depois se dirigiria para o Mercadão onde compraria um litro de azeite português (para sua mãe) e uma garrafa de um licor de ervas catalão (para o seu pai), no retorno a sua cidade natal se encontraria com um amigo na rodoviária local onde assistiriam a final do Mundial de Interclubes na TV de um boteco próximo... e ao chegar em casa encontraria sua namorada dormindo , vestida com um pijama em que a palavra SIM estaria estampada no peito... cada episódio da narrativa teria uma contrapartida nos “Os Lusíadas”, e também uma outra contrapartida na referida partida de futebol, havendo inclusive 23 personagens correspondentes aos 23 jogadores que disputaram a peleja... a questão que faltava era o nome do livro... e sabem qual o nome escolhido??? a obra iria se chamar “Raigama” ... e o que significava esta palavra??? era um neologismo que misturava o nome do capitão do escrete tricolor com o sobrenome do navegador português...

Depois de sete anos, o livro ficou pronto, onde a estória ocupava um pouco mais de cem páginas, enquanto que o apêndice explicando detalhadamente as analogias retro-mencionadas possuia cerca de quatrocentas páginas... Josué Jamil levou os originais do livro a diversos editores, que sempre recusavam a publicação desta obra complicada... até que conseguiu publicá-la... mas conseguiu como??? ora, depois de tentar em vários locais ele procurou Louis Monterrey, o rei do Marketing Editorial... Louis após ouvir a sinopse da obra e folheá-la por alguns minutos, disse o seguinte:

“- Meu amigo, esqueça esta idéia de querer fazer um “Ulisses” melhorado, um livro não pode ser aperfeiçoado, uma obra-prima então, nem pensar... um livro não é como um automóvel que é aperfeiçoado ano após ano... um livro é um livro, apenas... faça o seguinte: jogue fora este chapéu e esta bengala ridícula, você é o Josué Jamil e não o James Joyce!!! em seguida raspe a cabeça e passe a se vestir com uma túnica branca... então aí poderemos publicar o livro, mas terei que fazer duas modificações...”

“ - Mas você não pode mexer no texto,!!! Isto eu não permito!!!” respondeu o nosso protagonista...

“ - Mas quem disse que eu vou mexer no texto??? nada disso... só vamos substituir este enorme apêndice explicativo por um prefácio adequado e mudar a ortografia do título... só isto!!!”

O que dizia o prefácio??? dizia que aquela estória era universal pois se tratava da analogia de uma iniciação espiritual (por isso que o título era indiano, apesar da estória se passar no centro de São Paulo e em Jundiaí) e que todo cidadão que a lesse se tornaria uma pessoa diferente porque esta estória poderia acontecer com qualquer um de nós...

Hoje Josué Jamil é um escritor realizado... seu livro de estréia “Rayghama” com um belo prefácio de Luigi Montessori (um dos pseudônimos de Louis Monterrey), foi o primeiro de uma série de obras de enorme sucesso editorial (todas com nomes indianos, ou melhor, pseudo-indianos)... ele parou de comer carne e de beber (pelo menos em público, é claro) e com a cabeça raspada, a túnica branca a as sandálias de couro, aparenta ser um autêntico mestre espiritual... a única coisa que destoa em seu visual é o inseparável anel com o distintivo de clube de futebol...

José Geraldo De Barros Martins nasceu em São Paulo, neto do editor José de Barros Martins da parte paterna e sobrinho-neto do poeta Oliveira Ribeiro Neto por parte materna. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo, atualmente trabalha com projetos de sinalização viária e engenharia de tráfego. Estudou violão e guitarra e antes de ingressar na universidade foi integrante do lendário grupo "Dentro do Piano", do qual participaram Paulo Padilha (ex-integrante do Aquilo Del Nisso), Sérgio Molina e Sidney Molina (integrante do grupo Quaternália). Compôs e executou (em parceria com o percursionista Mário Eugênio Cintra Ferreira) a trilha sonora do curta-metragem "Experience Tupiniquim In London" do diretor José Reynaldo. Como pintor expôs no Centro Cultural São Paulo, na estação de Metrô Consolação, na Galeria Aliançe Francaise e na sala Funarte entre outros locais. Estudou Cabala e praticou yoga, hoje lê os clássicos e pratica boxe. É casado e não tem filhos. Sãopaulino. Desde 2001 publica seus desenhos e escritos no blog http://zegeraldo.free.fr.

Conto – Carlos Barbosa

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010


A Mudança

Muita gente participou da mudança. Mudança pra ser feita no muque, nas costas, em procissão de móveis, panelas e caixas, que atravessaria a cidade. E começou com cantorias, mutirão entusiasmado.

Na primeira esquina, começaram as deserções. Um, torceu o pé; outro, alegou problemas de coluna; e um terceiro já era líder de um surdo movimento antimudança.

Na segunda esquina, havia uma procissão paralela de mãos abanando, movida a cachaça e chistes.

Na terceira, deserções ampliadas, descobriu-se que cambistas faziam a festa, vendendo folgas e substituições; na vanguarda, o dono da mudança acenava para o povo nas calçadas e distribuía copinhos de batida de limão, tudo zero-oitocentos.

Na quarta esquina, descobriu-se que parte dos móveis, utensílios e caixas não pertencia à mudança. O dono da mudança, chamado às falas, disse não saber de nada.

Chamaram a polícia. A mudança empacou. Depois teve seu caminho desviado por piquetes policiais, mediante negociação esconsa, segundo denúncias que partiram da calçada defronte.

Acabaram-se as esquinas e a turma do mutirão descobriu, de repente, que não sabia o endereço de entrega da mudança. Procuraram pelo dono, o agitador do mutirão.

Procuram por ele até hoje, com a mudança nas costas.

Os minicontos de Carlos Barbosa integram o inédito “A segunda sombra”, que será lançado em 2010 pelo selo 3x4 – microficções, da editora Multifoco.

Crônica - José Miranda Filho

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Glenn Bautista
Linearscape, oil on canvas, 2007, 32" x 32" inches


Violento Amor

Sérgio era músico e médio compositor, apesar de ter composto varias canções, principalmente do gênero sertanejo que tocava em barzinhos de Sampa, e em cidades vizinhas. Algumas, gravadas por duplas famosas alcançaram grande sucesso. Tocava violão desde que aprendera aos doze anos de idade incentivado pelo pai, famoso violonista e compositor consagrado.

Numa noite silenciosa enluarada, sentado ao lado da esposa no alpendre da casa rodeada de roseiras e de margaridas brancas, tentou fazer uma canção que dedicaria a ela, amor de sua vida.

Dedilhou alguns acordes que não o agradaram. Tentou fazer novamente por várias vezes, sem sucesso!

Edna, a esposa, animada e esperançosa para ouvir a música em sua homenagem, ouvia tudo passivamente. Com olhar apaixonado fixava o marido, sem repreendê-lo. Em certos momentos quando notava sua irritação, lhe dizia:

- Calma, bem, é assim mesmo... Tem dias que não conseguimos fazer nada como desejaríamos que fosse... No momento lhe falta inspiração, mas daqui a pouco ela aflora, e você poderá compor a canção que tanto anseia dedicar-me.

- Eu esperei tantos anos! Porque não posso esperar um pouco mais?

- Sei que você me ama, e isso é o que interessa.

Sérgio, acostumado a escrever músicas e dedicá-las a pessoas comuns, ou improvisá-las com amigos em volta das mesas de bares...não entendia a falta de inspiração e concentração para ver sua esposa feliz.

Tamborilava, cantarolava, assobiava e ia da nota dó a nota si, em vão. Não conseguia. Concentrou-se no amor da amada, sua maior e ardente paixão,... e nada...

De repente, um forte barulho vindo da rua por uma pedra atirada contra sua janela, fez-lhe despertar a ideia da violência.

- Por que não compor uma canção versando sobre o ardente amor que sinto por você querida?

- Acredito em você, bem...Você é capaz.

- Acendeu um cigarro, pegou um copo de vinho e minutos depois havia criado uma das peças mais consagradas de sua carreira musical.

"O violento amor que sinto por você".

José Miranda Filho nasceu em Campo Formoso, BA, ex-Presidente e fundador do PMDB em São Caetano do Sul, ex-Secretário de Gabinete de São Caetano do Sul (1977-1982), ex-Venerável da Loja Maçônica Gemazzini (grau 33), é advogado, colabora com o jornal ABC Reporter e atua como Diretor Financeiro do Conselho Gestor do Hospital Benificente São Caetano. Posta no Blog do Miranda.

Crônica - Suzana Cano

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010


Procura-se e talvez não se queira achar

Não é só a gente que se apaixona pelos livros e pensa neles como seres profundos, inesquecíveis, insubstituíveis, até que eles somem de repente, daí trocamos aquele encantamento único por outras publicações e até nos esquecemos do que em alguns casos foi um amor patológico. Alguns livros nos fazem sofrer e até imitar comportamentos de heróis questionáveis, alguns nos elevam e outros nos vencem.

Suspeito que os livros também se apaixonem por nós, por nossa dedicação e encantamento, e às vezes voltam ao nosso convívio de surpresa, sem pedir licença, sem dar satisfações, assim, sem mais não, acabam de novo causando paixão e descoberta.

Tive essa prova concreta agora em minha casa no dia 25 de janeiro de 2010. Ouvia de longe o noticiário numerar de acordo com os cálculos da ONU os mortos da catástofre no Haiti, ao mesmo tempo uma escola de samba enfrentava a chuva no Anhembi para o ensaio técnico, a Leandro de Itaquera, aqui bem perto, e eu ouvia tudo, olhava a chuva e folheava um desses livros misteriosos, que como diria Vinícius de Moraes não aparecem, surgem.

Era “O Homem Rouco” de Rubem Braga, esse eu não comprei, tenho certeza, também não peguei emprestado, mas já estava no meu colo. A capa é de José Medeiros, titulada IMAGE, é um azul que eu gosto, um azul positivo, não é blue de blues nem blue de triste, é turquesa, nascente, ainda estrelado, ainda otimista, uma janela.

Encontrei no meio desse amarelado livro, comprado no sebo Trem das Sete, na rua Clementino Pereira, 521 no bairro do Ipiranga em 2004, ah, espera, antes pertenceu ao Sr. Flávio M. de Martinho, esse nome foi assinado na perpendicular da segunda página com caligrafia de contador, em 1972, ano em que nasci. Agora sim, depois de identificadas todas as procedências e perceber marcas de caneta em bons trechos, marcas com chave, quem se lembra disso, depois que o mundo acadêmico instituiu entre aspas, adorei essa chave em esferográfica vermelha, também encontrei um convite de festa de casamento com muitos plurais em letra itálica.

Mas a grande descoberta foi uma crônica que marcou minha adolescência. Procura-se. Qualquer pessoa pode ler na íntegra esse texto com o auxílio de São Google. Mas eu não tinha o título. Me lembrava apenas da expressão do caderninho azul, alguma coisa de sangue e lágrimas, de amores contrariadíssimos, que foi perdido em outubro de 1948. Mas é na verdade “ um pobre caderninho azul escrito a lápis e tinta e sangue, suor e lágrimas, com setenta por cento de endereços caducos e cancelados e telefones retirados e, portanto, absolutamente necessários e urgentes e ir- reconstituíveis” esse Rubem é de doer.

Eu tinha lido isso mais ou menos aos treze anos numa daquelas edições de literatura comentada onde no primeiro colegial a gente via de fragmentos de Gil Vicente – a educação sentimental lusitana a Haroldo de Campos e sua musicalidade asa da palavra.

Sei que algumas vezes digitei, pesquisei, mas não conseguia encontrar o texto inteiro porque sou impaciente e muitas vezes tudo se tinge de cinza ou fica turvo e eu não vejo direito, eu não tenho a determinação dos bons cineastas, muito menos a propriedade para dissecar detalhes dos criadores de filmes de animação, mas talvez seja tudo assim mesmo Sr. Rubem Braga, essas coisas assim lindas de doer talvez tenham essa particularidade: “procura-se, mas talvez não se queira achar”.

Suzana Cano dá expediente no Cristal Liquido e tem seus escritos publicados em vários blogs.

Tradução - Eduardo Miranda

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Price Henry, Island Village
acrylic on canvas, 16x20 inches (41x51cm)
Dois poetas haitianos do século XX, período em que intelectuais negros haitianos começaram a questionar sua relação com a Europa e a afirmarem suas raízes africanas. Léon Laleau (1892-1979) foi poeta, romancista, dramaturgo, ensaísta, jornalista, diplomata e político haitiano. Seu primeiro romance, "Comment mademoiselle a passé sa mi-carême". Seus primeiros poemas aparecem no Le Matin e no l'Humanité. Em 1917 Léon Laleau foi premiado por ter introduzido o verso livre na poesia do Haiti. "Traição" é um dos seus poemas mais famosos. Jacques Roumain (1907-1944) foi um venerado escritor, político haitiano, grande defensor do comunismo no Haiti. Considerado uma das mais prominentes vozes da literatura haitiana, é pouco conhecido na língua inglesa, mas tem significante penetração na Europa, no Caribe e na América Latina. Embora tenha morrido muito jovem, Roumain explorou bem os temas da vida e da cultura haitiana.

Traição - Léon Laleau

Este coração endurecido, cuja batida
não sintoniza minha língua, meus costumes
Sentimentos deixados para trás, a ferida
deste aperto, dívidas de mim, negrumes
da Europa, pudera você ter na lembrança
esse aperto, pudera sentir desespero tal
Como acalmar, com palavras da França,
Este coração que veio do Senegal?

Trahison

Ce coeur obsédant, qui ne correspond
Pas à mon langage ou à mes costumes
Et sur lequel mordent, comme un crampon,
Des sentiments d’emprunt et des coutumes
D’Europe, sentez-vous cette souffrance
Et ce désespoir à nul autre égal
D’apprivoiser, avec des mots de France,
Ce coeur qui m’est venu du Sénégal?


(Trecho de) Novo sermão negro - Jacques Roumain

Eles cospem na tua cara preta
Senhor, amigo, camarada,
Tú, que vira a cara para a prostituta
Como uma cortina de juncos, os longos cabelos numa fonte de lágrimas

Eles fizeram,
os ricos, os hipócritas, os donos da terra, os banqueiros,
Fizeram seu deus sangrento a partir do sangue dos homens
Ó Judas traidor
zombeteiro e sarcástico:
O Cristo crucificado entre dois ladrões como o estopim do mundo
Acendeu a revolta de escravos
Mas hoje o Cristo habita a casa dos ladrões
De braços abertos em suas catedrais, sua carne exposta aos abutres
Enquanto nos porões dos mosteiros, os sacerdotes contam suas moedas
E sinos dobram nos campanários, anunciando a morte sobre a multidão faminta

Nós não os perdoaremos, porque eles sabem o que fizeram
Lincharam João, que organizou a União
Caçaram-no como um lobo magro, com cães pelos bosques
Penduraram-no, aos risos, no velho tronco de plátano
Não, irmãos, camaradas
Não oraremos mais
Ergue-se nossa rebelião como o grito dos pássaros sobre as águas agitadas dos pântanos fedorentos
Não cantaremos mais o desespero e a tristeza espiritual
Sai outra canção de nossas gargantas
Fincamos nossas bandeiras vermelhas
Manchadas com o nosso próprio sangue
E é sob esta bandeira que caminharemos
Sob esta bandeira caminharemos
Ergam-se, condenados da terra
Ergam-se, prisioneiros da fome.

Nouveau sermon nègre (extrait)

Ils ont craché sur Ta Face noire
Seigneur, notre ami, notre camarade
Toi qui écartas du visage de la prostituée
Comme un rideau de roseaux ses longs cheveux sur la source de ses larmes

Ils ont fait
les riches les pharisiens les propriétaires fonciers les banquiers
Ils ont fait de l’homme saignant le dieu sanglant
Oh Judas ricane
Oh Judas ricane:
Christ entre deux voleurs comme une flamme déchirée au sommet du monde
Allumait la révolte des esclaves
Mais Christ aujourd’hui est dans la maison des voleurs
Et ses bras déploient dans les cathédrales l’ombre étendue du vautour
Et dans les caves des monastères le prêtre compte les interêts des trente deniers
Et les clochers des églises crachent la mort sur les multitudes affamées

Nous ne leur pardonnerons pas, car ils savent ce qu’ils font
Ils ont lynché John qui organisait le syndicat
Ils l’ont chassé comme un loup hagard avec des chiens à travers bois
Ils l’ont pendu en riant au tronc du vieux sycomore
Non, frères, camarades
Nous ne prierons plus
Notre révolte s’élève comme le cri de l’oiseau de tempête au-dessus du clapotement pourri des marécages
Nous ne chanterons plus les tristes spirituals désespérés
Un autre chant jaillit de nos gorges
Nous déployons nos rouges drapeaux
Tachés du sang de nos justes
Sous ce signe nous marcherons
Sous ce signe nous marchons
Debout les damnés de la terre
Debout les forçats de la faim.

Eduardo Miranda é músico, escritor, poeta, e tradutor, foi guitarrista e fundador do grupo WEJAH , gravou Renascença (Faunus Discus, 1988) e Senda (PRW, 1996), publicou o livro de poemas Quase (Casa Pyndahýba, 1998) e as coletâneas Amigos (Casa Pyndahýba, 1994) e Contra Lamúria (Casa Pyndahýba, 1995). Atualmente toca numa banda de Country/Blues em Dublin, dirige o projeto musical The Virtual Em3 e é parte do Stillwater Project. Editor-mor da TUDA, dá expediente em alguns blogs por aí, e nas horas vagas é Consultor de Tecnologia da Informação na IBM em Dublin.

Foreign Words - Eduardo Miranda

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010



Irish Tankas
Tanka is an ancient form of Japanese poetry older than haiku. Alike haiku, Tanka poems evoke a moment or mark an occasion with concision and musicality. In Japanese, its strict form is a 31-syllable poem (5-7-5-7-7), but it has evolved and styles have changed to include modern language and even colloquialisms, making the conceptual contrast between eastern and western cultures a little bit dimmed. Masaoka Shiki, a Japanese poet, reformer and revisionist, created the term Tanka in the early twentieth century. Until then, poems of this nature had been referred to as Waka or simply Uta ("song, poem"). Haiku is also a term of his invention, used for his revision of the old Hokku form, with the same idea.

1.
four plates on the dining table
he & she still waiting
their children come down for dinner.
but their suspended corpses
will move nevermore

2.
when mary one died, paddy realised
mary two is becoming a maid.
when mary two died, paddy realised
i need another daughter
to vent my lusts.

Eduardo Miranda é músico, escritor, poeta, e tradutor, foi guitarrista e fundador do grupo WEJAH , gravou Renascença (Faunus Discus, 1988) e Senda (PRW, 1996), publicou o livro de poemas Quase (Casa Pyndahýba, 1998) e as coletâneas Amigos (Casa Pyndahýba, 1994) e Contra Lamúria (Casa Pyndahýba, 1995). Atualmente toca numa banda de Country/Blues em Dublin, dirige o projeto musical The Virtual Em3 e é parte do Stillwater Project. Editor-mor da TUDA, dá expediente em alguns blogs por aí, e nas horas vagas é Consultor de Tecnologia da Informação na IBM em Dublin.

Releitura - Joaquim Cardozo

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010
O pernambucano Joaquim Cardozo (1897-1978) tinha a capacidade de promover a conciliação de pólos aparentemente contrários: era poeta e calculista de concreto. Como engenheiro, especialista em cálculo estrutural, Cardozo, a convite de Oscar Niemeyer, tornou-se responsável por alguns dos prédios de maior destaque em Brasília, entre eles a Catedral. Como escritor, publicou livros de poesia e de teatro. Os textos mostrados aqui foram extraídos do volume Poesias Completas (Civilização Brasileira, 1979). Os poemas "Recordações de Tramataia" e "Chuva de Caju" pertencem ao seu primeiro livro Poemas, publicado em 1947.

Ian Quirante - Untitled 2
Mixed Media, 11x8 in. (27.94x20.32), 2004

Recordações de Tramataia (1934)

I

Eu vi nascer as luas fictícias
Que fazem surgir no espaço a curva das marés
Garças brancas voavam sobre os altos mangues
De Tramataia.
Bandos de jandaias passavam sobre os coqueiros doidos
De Tramataia.
E havia um desejo de gente na casa de farinha e nos mocambos vazios
De Tramataia.
Todavia! Todavia!
Eu gostava de olhar as nuvens grandes, brancas e sólidas,
Eu tinha o encanto esportivo de nadar e de dormir.

II

Se eu morresse agora,
Se eu morresse precisamente
Neste momento,
Duas boas lembranças levaria:
A visão do mar do alto da Misericórdia de Olinda ao nascer do verão.
E a saudade de Josefa,
A pequena namorada do meu amigo de Tramataia.

Chuva de Caju (1936)

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Tereza? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos.
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
E em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Tereza ou Maria.

(in Poesias Completas, Civilização Brasileira, 2a. ed., Rio, 1979)

fonte:
poesia.net - Carlos Machado, 2003.

Ilustração - José Geraldo de Barros Martins

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Ilustração - Mari Khnkoyan

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Mari Khnkoyan
Look in Future, Scratch on paper

Mari Khnkoyan, nasceu na Geórgia. Graduada pelo Tbilisi Musical College e pelo Tbilisi Small Academy, domina uma vasta gama de técnicas e gêneros - óleo sobre tela, pastel sobre cartão, óleo sobre cerâmica e também os ovos de Páscoa, máscaras, naturezas mortas a abstrações. Mari tem realizado várias exposições que recebem comentários entusiasmados de jornais georgianos, russos e armênios. Mari é também um membro ativo da Associação de Artistas Georgiano. http//www.khnkoyan.com/home.htm.

A Mente Pela Lente - Evgen Bavcar

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano I Número 14 - Janeiro 2010


Notre Dame,
Evgen Bavcar

Ensaio - Ronald Augusto

Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano II Número 14 - Fevereiro 2010

Bansky

Frames da poesia contemporânea

1

Não obstante ser um bom livro falta-lhe coesão. Um conjunto de poemas esforçados. O autor tenta forjar uma coesão, mas da seguinte maneira: todos os poemas se compõem, a rigor, de duas estrofes, uma cuja extensão é variável (pode ter de 10 a 20 versos, mais ou menos), e outra “estrofe” que constitui um verso derradeiro isolado. É claro que isso não constitui um fio condutor, sequer uma “linha” condutora. Parece mais um formalismo sem função. Referências intertextuais. Diálogo culto com criadores de outras artes. Normalidade irritante.

2

O autor se vale do verso metrificado com senso contemporâneo, isto é, utiliza-o numa perspectiva irônica, às vezes sarcástica. No entanto, a opção pela tonalidade farsesca com relação ao modelo consagrado do verso medido, em certas ocasiões, acaba por se esgotar em si mesma. Mas mesmo aí, o autor se mostra, com freqüência, muito esperto. A leitura ou a releitura do recurso ao metrônomo não está condenada, desde um ponto de vista atual, a ser feita sempre em registro kitsch. O riso não precisa dizer sempre a última palavra. Por exemplo, o verso do poema da pág. 9: “não sou Ledo nem Ivo, mas me engano”.

3

Uma paisagem sem perspectiva. Opacidade de um discurso que nos remete a uma “passagem sem trânsito”. Enunciação no vazio “enquanto o quando não vem”. O poeta nos ministra a imagem de que os significados se esvaem por detrás de “faces esfumadas”. A linguagem como que se recusa a plasmar-se. É como se o poeta se pronunciasse, mas a contragosto. A “linguagem poética” não consegue dar conta de toda a “niilina” de que está embebida a visão do poeta. Não se trata de verso nem de prosa. Ou melhor, parece uma prosa cheia de fraturas. “O fosso pelo lado avesso”.

4

Um bom livro. Ele tece uma teia de coesão. As peças se encaixam à maneira de mosaico, isto é, uma peça se resolve ou se dissolve no som e no sentido da outra. Narrativa de fragmentos. Excertos de falas, coros de tragédias. O tom, necessariamente, hierático, solene, atenua-se pela rarefação da linguagem bastante essencial, pela imagética cortante. Pontos luminosos de uma fabulação-falação remota. Mas a certa altura, a tensão da linguagem cai, os efeitos poéticos não inquietam mais. Sobram pormenores. Uma certa linearidade no uso da metáfora. Poemas da pág. 58 e da pág. 127.

5

Os poemas coincidem com o título do volume. Ressonâncias da poesia de e. e. cummings surgem aqui e ali. Aliás, isso fica a olho nu na estética do corte e recorte abruptos do verso, que o autor experimenta com algum êxito. Cacos (que jamais se unirão) de um provável espelho textual: “estilhaços cubistas”; uma cena urbana algo difusa; e, por fim, alguns vocábulos que o autor fratura intencionalmente interrompendo, retardando a música do verso, assim: “...a seguir as gen-/ tes...” ; coragem de cor-/ ações...” ; “...assombro no radia-/ dor...” , etc. Soluções um tanto virtuosísticas, dentro de uma recolha de bons poemas.

Ronald Augusto nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004) e No Assoalho Duro (2007). Despacha no blog poesia-pau.